Thursday, September 29, 2011

Parkour sem competição, freerunning com?

Parkour sem competição, freerunning com?

Parece haver um acordo, ao menos até agora, que no parkour não há competição, encaminhando-a para o freerunning. Do meu ponto de vista, isso significa dizer que está bem claro o que é um e o que é o outro. Assisti vídeos da competição que ocorreu em São Paulo, mas pouco senti o que entendo por freerunning ou o que entende seu criador. Minha impressão é que pessoas habilidosas basicamente giraram, na maioria dos casos, fazendo boas acrobacias, executadas em obstáculos que sempre tendem a falhar na representação do ambiente urbano ou natural. Num momento ou noutro, ações eventuais típicas de parkour ou consideradas de freerunning, ocorreram sim. Eu, particularmente, preferi a apresentação do Sérgio. Mas, no geral, os competidores desciam girando obstáculo por obstáculo e depois usavam a barra para balançar e girar. Creio que parte disso é devido ao regramento da competição, que definitivamente não combina com o freerunning. Na verdade, imagino que o acordo que citei no inicio do parágrafo anterior, mantém purificado o parkour e os traceurs, e condena o freerunning às competições, deformando-o ainda mais. Na prática, todo mundo treina junto e acredita ter superado a questão entre parkour e freerunning, mas ela permanece de outra forma. Os próprios praticantes de parkour ou freerunning estão ajudando a organizar competições no mundo todo, sem perceber que assim se submetem ao que já se recusaram a se submeter. Sei que vários praticantes algum dia já pensaram em competição, mas a experiência e a filosofia lhes tiraram isso da cabeça. Imagino também que: 1- Existem pessoas que gostam das competições e que inevitavelmente as promoverão 2 - Algumas pessoas bem intencionadas e com poder de organização ou destaque pessoal, contatadas por grandes empresas, entenderam ser possível vincular o nome freerunning à competição. Numa época em que a disseminação preconceituosa e a incompreensão da verdadeira natureza do freerunning eram vigorosas, parecia normal usar esse nome para qualquer fim que não fosse o parkour . 3-Que pessoas bem intencionadas e preocupadas com os resultados de um campeonato sem a supervisão de praticantes experientes, submeteram-se a uma forma de apoiar campeonatos cuja visibilidade depende de sua ligação inevitável ao parkour. Isso implica num paradoxo, pois pretendem, ainda, manter o parkour livre de competições. 4- Que pessoas bem intencionadas acreditaram que conseguiriam transmitir a filosofia do parkour em um ambiente hostil a ela. Os grandes patrocinadores sempre quiseram promover disputas lucrativas via parkour, e encontraram o caminho mudando o nome e valorizando giros. Essa última competição não deixou de mostrar o pior lado disso. Ocorreu uma redução devastadora das disciplinas. Na média, pareceu-me um campeonato de giros em obstáculos feitos para as pessoas girarem e se convencerem que é assim mesmo.

O freerunning deve-se ao co-fundador do parkour. Os fundadores de ambas as disciplinas eram companheiros na arte do deslocamento, na associação Yamakasi e na fundação do parkour. Os dois provêm de uma base comum, que foi gradualmente personalizada e difundida por nomes diferentes, devido ao fato das pessoas serem diferentes e seguirem seus próprios caminhos. Assumiu-se como criador do freerunning, Sebastien Foucan. Seus vídeos, do meu ponto de vista, se parecem muito com os de David Belle, criador do parkour, e mostram que acrobacias ocorrem, mas não definem nem o parkour, nem o freerunning, nem as práticas e nomenclaturas que antecederam suas definições. Com o tempo, cada um estabeleceu sua disciplina à sua forma.

Evidentemente, o tempo transforma as coisas e elas refletem nosso momento. Num piscar de olhos, numa proposta que parece condizente com o funcionamento das coisas do mundo de hoje, na crença de dependermos sempre da máquina pública e privada para progredirmos, já estamos novamente na roda viva. Neste último ponto, o parkour tocou intimamente cada um de nós. Relendo o texto contra as competições ou refletindo sobre a filosofia, sem dificuldade vemos que caímos na armadilha. Eu acho que foi um erro natural e inevitável apoiarmos esse evento e apenas possível de compreendê-lo depois de acontecido. Evidentemente essa é apenas uma opinião pessoal, que ficará mais clara no decorrer do texto. Somos todos crias dos grupos, dos vídeos, das filosofias, das trocas pela internet, das trocas pessoais e da eterna responsabilidade com nosso próprio progresso e comunidade. Para mim, o freerunning era melhor sem competição, sem comparação, sem preocupação com o desempenho do outro, – livre - como o próprio nome sugere. Foucan acredita que competir é uma limitação e uma ilusão. O freerunning pode estar próximo da liberdade e da arte segundo Foucan, mas mantém o espírito do parkour. Quando alguém pergunta por que não tem competição de parkour parece muito fácil responder. Mas eu particularmente não sei responder por que tem competição de freerunning. Assim como não acredito em competição de parkour, não acredito em competição de freerunning.

O uso do nome freerunning para competições e para o que vi como sua prática neste evento é definitivamente algo a ser revisto. Precisamos primeiro resgatar seu verdadeiro significado. A competição trazia o nome “Art of Motion”, mas no site da patrocinadora eles a promovem como o principal evento de parkour e freerunning do mundo. http://www.redbull.com.br/cs/Satellite/pt_BR/Article/Ryan-Doyle-vence-Red-Bull-Arte-do-Movimento-em-021243067481345 Para a globo, foi um campeonato de parkour, porque, como sugeri, esse tipo de evento possui compromisso com a mídia e empenho do patrocinador de lucrar com competições. Para isso, necessita dos nomes parkour e freerunning como chamariz, e isso não vai mudar. http://www.globoesporte.globo.com/videos/esporte-espetacular/v/torneiointernacional-de-le-parkour-reune-representantes-do-mundo-todo/1604452/ Para ser mais claro, não vejo sentido em não haver competição de parkour e apoiarmos as de freerunning. Dizer para a globo, para nós mesmos, ou qualquer mídia, que se corrija da próxima vez não chamando de campeonato de parkour, não pode ser sugerir chamar de campeonato de freerunning. Da mesma forma que respeitamos David Belle e não competimos, podemos respeitar Foucan que é contra competição de freerunning. Se prestarmos atenção no resultado do evento, considerando que houve uma redução devastadora das disciplinas, será que se os B-boys que apresentaram sua arte nos obstáculos tivessem treinado um tempo naquele lugar, não teriam condições de competir e ir bem? Se o Diego Hypólito se preparasse para a competição, não duvido que ganhasse ou quase, mesmo sem ter conhecido o espírito do freerunning. Isso é inaceitável.

Se durante uma competição, um senhor de idade Y, ou fulano X, num canto escondido qualquer, supera-se pela primeira vez num precisão 360 ou se equilibrando a 10cm de altura, numa muretinha fácil para os competidores incríveis, eu me pergunto se não é a ele que nos acostumamos a dedicar maior admiração?

Os critérios de julgamento também parecem impossíveis, porque avaliariam manobras e a qualidade de sua execução, o que normatizaria o movimento e impediria que a pessoa se relacionasse com o obstáculo da sua própria forma através de seu próprio caminho. Além disso, quanto mais critérios de avaliação, mais enrijecida fica a prática, o que a descaracteriza imediatamente. O freerunning busca uma harmonia consigo mesmo e com o ambiente, e não a perfeição, segundo seu criador.

Entretanto, existem boas pessoas dispostas a competir e elas democraticamente continuarão competindo. Critérios de avaliação são usados e aceitos pelos competidores. O Pedro Thomas me contou que quando participou de outra competição internacional, o clima era de união e foi tudo muito bacana para ele. É possível que se encontrem outras formas de competição, que ao meu ver, representem melhor nossa prática, mesmo que sejamos contra.

Sobre o protesto ou invasão, apesar das discordâncias, acho que, em parte, ocorreu porque pessoas desta comunidade tinham seus motivos para realizá-la, em um evento que, para mim, não se dava ao respeito tamanho distanciamento de nossa experiência. Seus participantes e praticantes organizadores evidentemente são pessoas respeitáveis. Além disso, quem pratica parkour ou freerunning quer treinar. Aqueles obstáculos fariam muito mais sentido se fossem para todos, porque é assim que nos entendemos e treinamos. Burocraticamente a invasão teria prejudicado os organizadores em sua relação com os patrocinadores e apoiadores, e esta é uma questão a ser discutida principalmente entre os envolvidos, sobretudo pelas questões por outros apontadas e aceitas por ambos os lados. Mas não ter ocorrido um momento oficial, integrado à infeliz competição, onde todos pudessem desfrutar dos obstáculos foi uma pena. Pelo pouco que ouvi, além de oficinas e apresentações previstas e canceladas, os obstáculos seriam liberados após o evento e não foram devido a invasão. Mas o que lamento, porque particularmente preferiria se houvesse, foi não ter havido algo mais orgânico, onde competidores e praticantes dividissem oficialmente suas experiências e seus espaços. Finalmente conhecemos a segregação e a elitização característica das imposições de patrocinadores e típica de campeonatos, completamente estranha a nossa realidade e filosofia de compartilhamento, assim como diferente dos outros eventos que sempre foram mais democráticos. Ainda assim, temos que lidar de forma madura com isso, pois as coisas são como são. Concordando com as críticas bem fundamentadas, mas procurando o lado positivo, o protesto despertou interesse para o parkour ter mais poder de interferência social, representou o desejo de grande parte da comunidade e, apesar do descontrole que segundo seus organizadores o prejudicou, algum protesto precisava existir ou seríamos incoerentes com aquilo que insistentemente pregamos. Acredito que os problemas com os apoiadores serão superados e não trarão prejuízos a ninguém e que o acontecido colocou muita gente que pratica diante do benéfico exercício da reflexão.

É possível que surjam competições de parkour e que para vencer, o competidor arrisque sua própria vida ou reduza a prática a qualquer coisa. Por isso, aproveitar o que realmente são essas duas disciplinas de uma forma positiva, ainda parece ser cuidar delas, e inspirar-se para trilhar um caminho pessoal que inevitavelmente se converterá em contribuição, mesmo que essa seja acrobática, teatral, técnica, física, intelectual, cinematográfica, disciplinada, um treino puxado etc. Pois tudo isso pode ocorrer, como já ocorreu, desde que se mantenha a raiz das disciplinas.

Para terminar, quero dizer que, como já está acontecendo, podem surgir campeonatos de parkour, de freerunning ou do que for, mesmo a contragosto dos criadores das disciplinas. Acredito que essas competições farão e fazem pessoas felizes, pois quase tudo que se pregou como definitivo teve prazo de validade. Apenas acho que, por enquanto, é estranho, apesar de democrático. Por exemplo: se você joga xadrez, é natural imaginar um campeonato. Se bate bola na rua, também. Mas, se faz yoga, parece sem sentido criar uma competição. Se escreve livros, também. Tem músicos que competem na velocidade de execução de determinada musica, mas não dá pra competir o gosto musical ou determinar como tal musica vai lhe emocionar. Da mesma forma, podemos disputar quem sobe mais rápido um muro, mas aquele que sobe mais devagar pode nos inspirar mais por um motivo particular, ou nos ensinar em outro aspecto, noutro lugar ou noutro sentido. Ou seja, pode haver competição e ser feliz quem compete. Pode haver um campeão mundial de parkour ou freerunning, mas ele apenas sobe mais rápido no muro, e você está treinando na chuva e pensando no parquinho do Oleg. Pelo que tenho escutado, os Yamakasi no Brasil empolgaram muito mais positivamente que os campeões que por aqui passaram e perderam a chance de usar aquele espaço para um bom treino com seus iguais.